A gente pega de balde na bica para se
limpar. Luz teve que ser na 'gambiarra'. Na hora da necessidade é que
fica difícil. Tem que fazer num saco. Depois, é só jogar na rua”,
explica a mãe de nove filhos. Ela vivia em um quarto erguido com tábuas
velhas num casarão abandonado na Rua da Saudade, no bairro da Boa Vista,
coração do Recife. Na última sexta-feira, ela, as crianças e outras 69
famílias que dividiam o precário espaço foram retiradas do local. A
congregação Irmãs Franciscanas do Sagrado Coração de Jesus, proprietária
do imóvel, pediu a desapropriação da área. O futuro para eles,
provavelmente, repetirá o passado de destinos incertos.
Pirrita, como dona Rubia gosta de ser chamada, sabe bem o que significam
esses números. “Eu morava na casa do meu sogro, mas meu marido usava
drogas. Peguei os meninos e saí. Não tinha para onde ir e me falaram que
aqui tinha lugar. Eu vim”, conta. Sem trabalhar, ela pede ajuda nas
ruas para sobreviver. Pagava R$ 30 por um quarto no casarão. Por conta
das limitações, teve que entregar três de suas crianças para outras
famílias. “Minha menina agora tem a vida que eu queria dar para eles,
mas não posso. Deixei quando tinha um mês. Agora, ela já fez sete anos e
até estuda em colégio particular. Às vezes, ainda consigo ver (a
garota), mas o povo não gosta”, desabafa. Um casal de filhos gêmeos, com
pouco mais de um ano, teve a mesma sina.
Não muito longe do casarão da Saudade, na Avenida Cruz Cabugá, um dos
principais corredores de tráfego do Recife, um beco conta a história de
outras sete famílias, incluindo a de Lucas Gabriel, de 9 anos. O menino
de sorriso fácil encontra alegria batendo bola no corredor de barracos.
Ele foi abandonado pelo pai ainda bebê, a mãe, viciada em drogas, vive
pelas calçadas do bairro de Santo Amaro. “Isso não vai me tirar da minha
vó, não, né?”, pergunta preocupado. A avó, dona Maria Madalena da
Silva, de 59 anos, é a família que Lucas conhece. Abandonada pelo
marido, ela teve que deixar a casa em que viviam, em uma invasão do
outro lado da rua, em busca de abrigo. Hoje, sobrevive catando papelão.
“Eu tive medo. Não queria ficar por aí com o menino. Até que apareceu um
homem e disse que aqui tinha lugar para mim", confidencia. Esse homem,
cujo nome ela não recorda mais, havia construído um barraco, mas
precisava deixar a cidade. "Fiquei com a casa e com terreno". Seis anos
já se passaram e ela foi cedendo espaço para outras famílias sem rumo,
como esteve um dia.
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