![]() |
m Salgueiro, obras da Transnordestina e os canais da transposição do Rio São Francisco se encontram (Foto: Eduardo Ricken/TV Globo) |
No caso da Transnordestina, o problema é mais grave. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), o contrato atual da obra previa que a ferrovia deveria ter sido concluída no fim de janeiro. Em uma década, no entanto, apenas 600 quilômetros de trilhos foram colocados de 1.753 da extensão total.
(A partir deste sábado (18), o G1 publica uma série de cinco reportagens sobre a ferrovia Transnordestina. As obras foram iniciadas em 2006 e estão paradas.)
No restante do trajeto, que atravessa 35 municípios em Pernambuco, 28 no Ceará e 18 no Piauí, não há nenhum sinal de trabalho em andamento. Foi o que atestou a reportagem do G1, após um giro de mais de 3 mil quilômetros pelos três estados que durou 10 dias.
FOTOS: Veja imagens das obras da ferrovia
O ponto de partida é a cidade de Salgueiro, cuja posição estratégica, equidistante de várias capitais do Nordeste, a transformou em epicentro da Transnordestina. É por isso que o município abriga o canteiro industrial da obra. O terreno de 46 hectares tem fábrica de dormentes, pedreira, central de britagem, estaleiro de solda e oficina de manutenção. Tudo parado. Um cenário que persiste pelo menos desde abril do último ano.
Uma imagem aérea do canteiro industrial dá a dimensão do abandono e revela o trecho exato em que Transnordestina e transposição se cruzam. De um lado, correm os trilhos com cinco locomotivas estacionadas. Um espantalho faz as vezes de segurança no posto avançado de vigilância.
![]() |
Boneco faz o papel de vigia do canteiro de obras da Transnordestina, em Salgueiro, no Sertão de Pernambuco (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo) |
A Transnordestina, entretanto, tem futuro incerto. No canteiro industrial da obra, o barulho de obra foi substituído por um silêncio que incomoda. Lançada em 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e propalada como a maior do mundo, a fábrica de dormentes – peças de concreto onde são acomodados os trilhos – funciona no local e chegou a produzir 4.800 unidades por dia, com 600 trabalhadores. Hoje, luz apagada, não há ninguém trabalhando.
Pilhas de dormentes, com 366 mil peças fabricadas, o suficiente para 220 quilômetros de trajeto, aguardam a retomada da obra. A gerência de produção industrial garante que os dormentes, mesmo sem uso, não correm risco de degradação, assim como as centenas de trilhos que repousam no parque administrativo. “Eles não estragam. São feitos para durar”, afiança um funcionário sem autorização para conceder entrevista.
No almoxarifado, um retrato contundente de uma obra paralisada: móveis, eletrodomésticos e objetos que ficavam nas casas e apartamentos dos funcionários e que, agora, lotam o galpão silencioso. Ao lado, cinco ambulâncias empoeiradas – uma sem pneu, outra sem farol.
![]() |
Mapa mostra o que já foi executado da Transnordestina (Foto: Arte/G1) |
De Salgueiro, a ferrovia segue para o porto seco de Eliseu Martins (PI) e para os portos de Pecém (CE) e Suape (PE). Ao longo do percurso, os rastros do esquecimento são visíveis. Mais de 200 vagões foram deixados em cinco pontos diferentes – alguns com britas e dormentes, outros vazios.
Há centenas de trilhos largados nos trechos em que a obra foi interrompida, mato alto, estruturas de concreto rachando, passagens desgastadas pela erosão e máquinas que ficaram pelo caminho e se tornaram um monumento ao descaso com o dinheiro público num empreendimento que custava, inicialmente, R$ 4,5 bilhões e até agora já consumiu R$ 6,3 bilhões. O orçamento atual do projeto é de R$ 11,2 bilhões – o suficiente para construir 28 mil postos de saúde ou 12 mil escolas.
A construção da Transnordestina começou em 2006 e, a princípio, deveria ficar pronta em 2010. No auge, chegou a empregar 11 mil pessoas. Hoje, são 829 trabalhadores, segundo a empresa que tem a concessão da malha até 2057. A maioria, contudo, está de férias forçadas por causa de uma suspensão da obra. Os oito canteiros que existiam foram reduzidos a dois. Nenhum operário foi visto fazendo qualquer serviço na ferrovia.
De acordo com mapa da obra enviado pela Transnordestina Logística, a ferrovia está pronta nos trechos entre Missão Velha (CE), Paulistana (PI) e Custódia (PE). Mas, mesmo onde a construção foi finalizada, os efeitos da paralisação podem ser sentidos. Num raio de 15 quilômetros do canteiro industrial de Salgueiro, vagões enferrujados pelo caminho chamam a atenção de quem passa. A Transnordestina diz que as carruagens passam por manutenção e são constantemente deslocadas para evitar danos.
![]() |
O terraço da casa de Luciano Bernardino, 36 anos, é uma varanda para o esquecimento das obras da Transnordestina (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo) |
Luciano simboliza os sentimentos antagônicos que marcam a relação de Salgueiro com a ferrovia. A expectativa alimentada no início da obra foi atropelada pela frustração. Ele e mais três irmãos chegaram a trabalhar na obra, mas acabaram demitidos. Enxergam o futuro com ceticismo. “Eu era motorista de caminhão. No começo, eram só flores. Depois, vieram as consequências. Cheguei a trabalhar para três empresas. De repente, mandaram todo mundo embora e falaram que, se a gente quisesse nossos direitos, só na Justiça. Derramamos muito suor nessa obra”, lamenta.
Nenhum dos quatro irmãos conseguiu outro emprego. O auxiliar de produção Antônio Bernardino, 37, trabalhou por quase oito anos na construção da ferrovia. Ainda tem R$ 74 mil a receber. “Agora está ruim porque todo mundo ficou desempregado e as coisas começaram a apertar. Estamos vivendo da roça. O que a gente mais queria é que a obra voltasse”, diz ele, desempregado há oito meses. Em Salgueiro, é fácil ver pontos de comércio e serviço fechados, com placas de aluguel ou venda.
![]() |
Vagões estão abandonados nos trilhos da Transnordestina, contam moradores (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo) |
Por todo o percurso, os sinais de desgaste se anunciam. Por falta de manutenção, a erosão corrói estruturas, a ponto de algumas terem rachado ou se partido. Foi o que ocorreu num trecho da ferrovia em Araripina, sertão de Pernambuco, num viaduto que passa por cima dos trilhos.
A mais de 400 quilômetros dali, em Itaueira, sudoeste do Piauí, onde ainda não há ferrovia construída, somente terraplenagem, uma ponte sobre a rodovia PI-140 começou a ser erguida, mas o serviço ficou inacabado. Quem passa pelo local se depara com vergalhões enferrujando, pedras amontoadas, placas de concreto e uma estrutura de ferro deixada numa estrada de barro.
O destino da ferrovia no Piauí é o porto seco de Eliseu Martins, onde o acesso se dá por uma estrada de barro em condições precárias e a obra da Transnordestina se resume a uma clareira gigante aberta no meio do cerrado, sem trilhos, corroída pela erosão, com equipamentos deixados a céu aberto e nenhum rastro de construção.
Por Wagner Sarmento, G1 PE
Postar um comentário